o que diz Marquise Bey? e leituras essenciais para o anarquismo Negro Trans

por Joshua C. Craig

texto originalmente publicado em inglês no site Bookriot. traduzido por acervo trans-anarquista em janeiro de 2025. foi empregada linguagem neutra e inclusiva em todo o texto. essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital.

 

Se você não sabe nada sobre anarquismo, está na hora de aprender. Qualquer pessoa que se considere contrária ao fascismo foi rotulada como terrorista nos Estados Unidos da América, a polícia federal está sequestrando manifestantes nas ruas das principais cidades e as forças policiais locais são constantemente designadas para serem nossos juízes, jurados e carrascos.[2] Se, em algum momento, existiram condições para união radical e ação comunitária em nosso país, esse momento é agora.

Muitos de nós provavelmente conhecem os anarquistas clássicos, como Emma Goldman ou Piotr Kropotkin, mas o que eles discutem dificilmente reflete os problemas que enfrentamos hoje em nosso clima político atual. O anarquismo contemporâneo é construído sobre a base de suas iterações anteriores e ainda se envolve com as margens da sociedade, mas hoje o anarquismo incorpora nossos problemas mais urgentes. A base do anarquismo é a liberdade para todes – ninguém é livre até que todes sejam livres. No mundo de hoje, a liberdade está em constante luta e “em nosso momento particular… o anarquismo Negro pode ser encontrado – ou às vezes vislumbrado – em movimentos como o BLM[3], o Anarchist People of Color[4], o Critical Resistance[5] ou o Audre Lorde Project[6] [bem como em muitas organizações].”[7] Mas o envolvimento é apenas parte da luta. O aprendizado é essencial para que a liberdade seja concretizada, e quem lemos e as ideias que compartilhamos formarão as organizações e ações coletivas que realizaremos no mundo.

 

ESCRITORE ANARQUISTA MARQUIS BEY

Hoje em dia, há algumes estudioses que se debruçam sobre o anarquismo e sua relação com raças e gêneros, já que consideram que as outras questões abordadas pelo cânone clássico do anarquismo, como a classe, são altamente racializadas e generificadas. Uma das mais novas e primorosas pessoas anarquistas a escrever sobre isso é Marquis Bey.

Marquis Bey é o autore de Them Goon Rules[8], publicado pela The University of Arizona Press em 2019, enquanto era doutorande na Cornell University. Desde então, elu se formou e agora ocupa o cargo de professore assistente de Estudos Afro-Americanos e Inglês na Northwestern University. O novo livro de Bey, Anarcho-Blackness: Notes Toward a Black Anarchism [Anarco-Negritude: Notas para um Anarquismo Negro], foi publicado pela AK Press em agosto de 2020.

Them Goon Rules é uma coletânea de ensaios pessoais e exames críticos da vida Negra Americana com artigos como “On Being Called a Thug” [Sobre Ser Chamado de Marginal], “Scenes of Illegible Shadow Genders” [Cenas de Gêneros Fantasmáticos Ilegíveis], “Flesh Werq” [Carne Criminosa] e muitos outros. O livro é pessoal, humanizador e fácil de ler, mas tem um nível de profundidade que força a pessoa leitora a se debruçar sobre os escritos de Bey dias após a leitura.

Anarcho-Blackness: Notes Toward a Black Anarchism é um desvio do estilo de Them Goon Rules, já que Anarcho-Blackness é um trabalho denso de teoria crítica que exige releitura e análise aprofundada. O livro se debruça sobre a textura e a história de interseções entre Negritude e anarquismo, o que não é de modo algum novo, mas é um tópico raramente discutido. Como Bey escreve na introdução, “A história da Negritude, em suma, é uma história de ruptura em direção à liberdade.”[9] Essa é uma perspectiva inegavelmente anarquista.

O livro detalha algumas das histórias relativas às interseções entre Negritude e anarquismo, sem perder tempo condenando ou detalhando as falhas daqueles que vieram antes[10], e faz isso enquanto medita criticamente sobre qual tem sido e deveria ser a relação do Anarquismo com o gênero. Bey apresenta o conceito de anarco-Negritude não como uma ideologia, mas como um conjunto de fatos e reflexões críticas que podemos usar ao nos depararmos com qualquer ideologia no mundo.

“É a essa reorientação radical que o prefixo anarco se refere, um afastamento da normatividade, uma normatividade caracterizada pela masculinidade branca de um Estado hierárquico e coercitivo.”[11]

Anarcho-Blackness: Notes Toward a Black Anarchism é concluído com um manifesto que nos incita a encontrar, na anarco-Negritude, uma autodeterminação despreocupada com a identidade individual[12] e nos incentiva a descobrir diferentes formas de estarmos juntos.[13] De forma alguma Bey considera isso uma tarefa fácil e, com relação ao trabalho que precisamos empregar na anarco-Negritude, diz: “Não há ‘fim’ porque conhecer o fim é pensar que se conhece a totalidade da paisagem, uma linha de pensamento que não pode dar conta daquilo que está fora dos ditames da legibilidade.”[14] Essa declaração reflete a mudança constante pela qual nós mesmes passamos e com a qual nós, como comunidade, precisamos lidar. A mudança ocorrerá, e como nosso mundo muda depende de nós, e acredito firmemente que Bey nos aponta uma direção de mudança para melhor.

Enquanto escrevia este artigo, pedi a Bey que compartilhasse algumas ideias sobre suas esperanças em relação a esse conceito de anarco-Negritude:

“Acho que minha esperança para anarco-Negritude é que seja adotada não como um modelo ou um manual de instruções sobre como viver a vida ‘corretamente’; em vez disso, espero que impulsione as pessoas a começarem a se movimentar no mundo de forma diferente, a se relacionar com os outros em bases não estatistas e não autoritárias. Minha esperança é que isso infecte as pessoas, por assim dizer, e se infiltre em nossa própria habitação no mundo, a ponto de vivermos a anarco-Negritude.”

Bey tem dois livros a serem lançados. The Problem of the Negro as a Problem of Gender [O Problema do Negro como um Problema de Gênero) é uma obra que está sendo escrita em conjunto com Nahum Chandler e será publicada pela University of Minnesota Press. Black Trans Feminism [Feminismo Negro Trans] é um livro resultante da dissertação de Bey que será publicado pela Duke University Press. Estou extremamente animado para mergulhar de cabeça em ambos.

 

AS LEITURAS ESSENCIAIS PARA O ANARQUISMO NEGRO TRANS

Embora os livros de Marquis Bey sejam um ótimo ponto de partida, há muito mais literatura sobre o assunto que todos nós deveríamos estar lendo. Bey teve a gentileza de compartilhar os livros que mais influenciaram seus escritos sobre o anarquismo Trans Negro, e acredito que essa lista de leitura será um ótimo ponto de partida para vocês, leitores do Book Riot. Espero que vocês reservem um tempo para conhecer melhor essas frentes e apoiar as associações que promovem a inclusão e a liberdade para todos.

  • Queering Anarchism: Addressing and Undressing Power and Desire [Queerizando o Anarquismo: Abordando e Desnudando o Poder e o Desejo], organizado por Deric Shannon, J. Rogue, C.B. Daring, Abbey Volcano, and Martha Ackelsberg
  • Vidas Rebeldes, Belos Experimentos de Saidiya Hartman
  • Sobcomuns: Planejamento fugitivo e estudo negro, de Fred Moten
  • Demanding the Impossible: A History of Anarchism [Demandando o Impossível: uma História do Anarquismo], de Peter Marshal
  • “Manifesto for the Trans-Feminist Insurrection” [Manifesto para a Insurreição Trans-Feminista], de The WhoreDykeBlackTransFeministNetwork
  • “Black Feminist Statement” [Declaração Negra Feminista], de Combahee River Collective

[2] Legalize Everything [Legalize Tudo] de Eric Andre.

[3] N.T.: Black Lives Matter, Vidas Negras Importam.

[4] N.T.: em tradução literal, “Pessoas de Cor Anarquistas”. Adaptando para o português, podemos traduzir como Pessoas Racializadas Anarquistas / Anarquistas Racializadas…

[5] N.T.: Resistência Crítica.

[6] N.T.: Projeto Audre Lorde.

[7] Anarcho-Blackness: Notes Toward a Black Anarchism [Anarco-Negritude: Rumo a um Anarquismo Negro] de Marquis Bey (página 105).

[8] N.T.: o livro não possui tradução para o português. Em tradução livre, o título poderia ser traduzido como “As Regras dos Valentões: Fugitive Essays on Radical Black Feminism (Ensaios Fugitivos sobre Feminismo Negro Radical)”.

[9] Ibid (página 7)

[10] Ibid (página 104)

[11] Ibid (página 88)

[12] Ibis (página 105)

[13] Ibid (página 106)

[14] Ibid (página 26)