o ano em que os policiais foram expulsos do dia da memória trans

por Black Flag Sidney

essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital.

Em 2019, ocorreu uma importante mudança em Sydney[1] em sua comemoração anual do Dia da Memória Trans, um dia que celebra as vidas perdidas pela transfobia em todo o mundo. Durante anos, uma vigília foi realizada no Harmony Park, organizada pelo Gender Centre. A vigília não só era realizada ao lado da Delegacia de Polícia de Surry Hills, mas os policiais também compareciam uniformizados, eram co-anfitriões da vigília e recebiam um espaço para falar no evento.

Isso foi um sinal óbvio de hipocrisia e um exemplo nojento de pinkwashing na força policial, que foi sentido por toda a comunidade trans. Ainda estava na memória recente de muitos membros da comunidade que Veronica Baxter havia morrido sob custódia, um assassinato brutal de mais uma vida Aborígene, e que as pessoas que a prenderam em primeiro lugar eram da própria Delegacia de Polícia de Surry Hills, a delegacia agora escolhida para estar ao lado da Vigília do Dia da Memória Trans.

Antes de 2019, houve controvérsias e protestos populares. Em alguns anos, pequenos grupos de ativistas trans invadiram a vigília com faixas de protesto. Em 2016, vários ativistas trans militantes se posicionaram com faixas na vigília atrás de um policial a quem foi dado um lugar de fala, com mensagens como “Policiais não nos dão segurança”, “Não há orgulho em instituições genocidas” e “1788 – 1978 – 2016”[2], estabelecendo ligações entre a violência colonial da Força Policial e a violência contra a comunidade LGBT. Apesar dessa clara tensão e injustiça política, o Gender Centre continuou a convidar a polícia para participar da vigília durante anos.

Em 2019, no entanto, o cenário político mudou significativamente. Isso se deveu ao fato de duas organizações terem tomado a decisão de realizar vigílias naquele dia, separando-se do tradicional Gender Centre, com base na oferta explícita de um espaço para a celebração do dia sem a presença da polícia. Uma delas foi a Trans Pride Australia, um grupo que se dedica principalmente a reuniões sociais da comunidade trans e à realização de outros eventos para o benefício da comunidade. O outro foi o Trans Action Warrang, um coletivo com foco político e de protesto direto, que no início do ano organizou uma marcha de protesto no dia do Dia da Memória Trans, com uma multidão de cerca de mil pessoas. Essa foi uma das primeiras marchas de protesto em Sydney, após a Marriage Equality (Igualdade no Casamento), que pedia especificamente uma mudança política em relação aos direitos de pessoas trans.

2019 foi um ano tumultuado para a comunidade trans em NSW. No início do ano, houve um choque com a notícia de que Mhelody Bruno havia sido brutalmente assassinada em Wagga Wagga. Mhelody era uma imigrante filipina que veio para a Austrália em busca de trabalho, uma rainha de concurso de beleza que trabalhava em um call center para sustentar sua família. Apenas alguns meses antes do Dia da Memória Trans, Mhelody havia sido assassinada por Rian Ross Toyer, um ex-cabo da Real Força Aérea Australiana. Junto com organizações filipinas de base como Anakbayan, Migrante e outros membros independentes da comunidade trans e filipina, a Trans Action Warrang apoiou essas organizações em uma vigília por Mhelody. A vigília foi carregada de tristeza e raiva pela transfobia e pelo racismo que levaram à morte de Mhelody, os mesmos que acabaram com a vida de Veronica Baxter cerca de 15 anos antes.

As vigílias contra a polícia tiveram boa participação, sendo que a vigília da Trans Action Warrang em Newtown foi a maior, com algumas centenas de pessoas, enquanto a vigília a favor da polícia no Gender Centre teve pouca participação. Os oradores que fizeram mensagens explicitamente contra a polícia para a multidão foram recebidos com aplausos estrondosos. A vigília foi concluída com uma lista de todas as pessoas que morreram de violência sistêmica no ano em todo o mundo. A lista levou quase 20 minutos para ser lida na íntegra. O nome de Mhelody Bruno estava lá.

A pressão pública foi forte demais para o Gender Centre. Um ano depois, a polícia não foi convidada como parceira, palestrante ou colaboradora para a vigília que ocorreu on-line (embora, curiosamente, a corporação Amazon não tenha se importado com o patrocínio). O papel das vigílias Trans Action Warrang e Trans Pride Australia em provar que sua mensagem de que a polícia não é bem-vinda era mais representativa da comunidade teve um papel importante, assim como, sem dúvida, as marchas Black Lives Matter de 2020. Eles nunca mais foram convidados para o evento.

Hoje, as marchas do Dia da Memória Trans são intituladas Dia da Resistência Trans e ocorrem durante o dia no fim de semana mais próximo de 20 de novembro, organizadas pelo Pride in Protest. Também são realizadas vigílias organizadas por diferentes organizações, incluindo o Gender Centre, nesse dia. O Dia da Visibilidade Trans também é marcado por uma marcha pelos direitos trans, sendo que 2019 se tornou um ano de ações em ambos os dias. Hoje, esses dois eventos continuam a ter centenas de participantes, marchando explicitamente para eliminar o financiamento da polícia e para outras questões de direitos trans.

[1] N.T.: Sydney é uma das cidades mais conhecidas da Austrália. Esse texto foi escrito no contexto australiano.

[2] 1788 foi o ano da First Fleet e o início do genocídio dos aborígenes, 1978 foi o ano do motim do Mardi Gras e 2016 foi o ano do protesto.