Anarcotrans

por Luz Costa

1 de junho de 2024 

Parada LGBTQIA+ 

Olhava pela janela do ônibus enquanto ia em direção à avenida mais agitada da cidade – a av Paulista -, após esperar o ônibus por uma hora. O sol esquentava minha pele, e eu suava em contato com os moradores do meu bairro, que aos poucos enchiam o ônibus. Mas nada disso importava: eu estava orgulhoso! Era meu dia! Logo, entro no metrô e um show de imagens explodia à minha vista: eu via, animadamente, várias pessoas coloridas, pintadas e carregando alguma bandeira em si. A excitação era tanta, eu mal esperava pra estar, pela primeira vez, na avenida com tanta gente como eu, tão pertinho de mim! Enquanto chegava mais próximo da estação Trianon-Masp, mais nervoso eu ficava. 

Chego na avenida Paulista e vejo um carro de som logo à frente, a música explodia e as pessoas dançavam, apertadas. Tudo era tão maravilhoso e lindo. Eu estava tão feliz! Após alguns minutos acompanhando o carro de som e me apertando junto às outras pessoas, começo a perceber vários logos de marcas diferentes. Parecia que elas me encaravam como quem encara um animal no zoológico. Aquilo me incomoda um pouco, mas não sei explicar o porquê. Continuo andando e pulando animado, junto com a música. Alguns minutos se passam, e um carro de uma empresa que eu trabalhava passa, me oferecendo uma bebida. 

Meu coração pesa. Minha garganta seca. Sinto uma vontade enorme de chorar.

Ali, na minha frente a empresa que se recusou a usar meu nome social quando transicionei. A mesma empresa estava ali, na avenida mais comercial da cidade, me oferecendo um produto, decorando seu carro com uma bandeira. Estava ali, financiando a parada. A minha parada. Engulo em seco e percebo o que estava me incomodando: todos aqueles nomes e outras pessoas que foram violentadas pelos mesmo. E eu estava ali, quase que como uma ironia, na avenida mais comercial de São Paulo, sendo mais um produto dela. Eu estava ali, na avenida mais cara de São Paulo, há duas horas, três baldeações e um ônibus de distância do meu bairro no extremo sul.

De repente, toda aquela alegria de estar com todas aquelas pessoas passou e eu só conseguia me sentir triste. Por que eu estou triste? Eu deveria estar feliz! Todas essas pessoas estão felizes! Eu deveria estar também. Mas eu continuava a sentir meu coração pesado, o ar abafado e uma falta de ar que tomou meu corpo em tremores. De repente, toda aquela gente à minha volta me causou um pânico, como se meu corpo gritasse por ajuda. Eu começo a correr no sentido contrário do fluxo de pessoas em direção à estação mais próxima. Entro na estação e vejo que está cercada de policiais. Eu nunca havia visto uma estação tão cheia de policiais. Relembro, violentamente das mortes que ocorreram ao longo dos anos. Penso em Daniela, Dandara, Carol, Popó. Penso em Marsha e Sylvia e de todas que foram mortas antes e depois. 

Os mesmos que querem nos matar, estão aqui armados, protegendo as catracas onde a população mais assassinada passa, animada, carregando suas bandeiras. 

O que eu to fazendo aqui? Esse lugar não é pra mim! Enquanto desço às pressas as escadas em direção à plataforma, sinto um embrulho no estômago. Queria vomitar toda raiva que vai crescendo dentro de mim. Sinto uma mistura de repulsa e tristeza tomando meu corpo, escapando pelos olhos.

Mas todo mundo tá tão feliz! Eles estão tão felizes! Eu deveria estar também! 

Eu não consigo me sentir feliz!