tradução do artigo “fazendo uma bagunça: expandindo mundos anarquistas e feministas”, de Anastasia Murney. texto originalmente publicado em inglês no periódico Coils of the Serpent, em 2023, com o título “Making a Mess: Expanding Anarchist and Feminist Worlds”. tradução por acervo digital trans-anarquista em maio de 2025, disponível em nosso acervo digital.
“Neste artigo, proponho um método de criar mundos que se atente ao valor da bagunça. Abordo a bagunça de duas formas. Em primeiro lugar, uso ‘bagunça’ para me referir ao excedente: o material excessivo e ilegível que é deixado de fora das narrativas históricas oficiais. Em segundo lugar, pretendo criticar o uso de bagunça no sentido pejorativo, para acusar alguém de estar errado ou de distorcer algo; para fazer uma bagunça ou estragar as coisas[1]. Encontro afinidades bagunçadas no livro de Saidiya Hartman, Wayward Lives, Beautiful Experiments, que retrata a rebelião de jovens negras e pessoas gênero inconformes na Filadélfia e em Nova York na virada do século XX. Ela explica como a categoria legal de ‘rebeldia’ foi estrategicamente utilizada para capturar e confinar mulheres jovens sob o pretexto de ‘criminalidade iminente’. Hartman transforma o termo em uma prática fervorosa de liberdade, “o desejo ávido por um mundo não governado pelo senhor, pelo homem ou pela polícia” (2019: 227). A rebeldia é anarquista mas também é mais do que anarquismo. Como escreve Hartman, “somente uma leitura equivocada dos principais textos do anarquismo poderia imaginar um lugar para as meninas de cor” (230). Essa citação nos convida a traçar os caminhos dos sujeitos cujos encontros com o anarquismo (e outras lutas políticas) são enquadrados com um prefixo negativo: como mal-entendido, má interpretação, má leitura. Pretendo sugerir que uma distorção do anarquismo é precisamente o que é necessário para nos guiar até os camaradas perdidos e desenvolver uma estrutura mais generativa e mais bagunçada sobre o que o anarquismo pode ser. No entanto, como argumenta Kathy E. Ferguson, a familiar versão canônica do anarquismo é, em si, uma distorção, favorecendo aqueles que possuem o poder de publicar (2011: 265). Portanto, o que estou fazendo, em solidariedade àqueles que foram difamados como bagunceiros ou cujas atividades foram relegadas ao obscuro interior da luta política, é um tipo de deturpação corretiva, distorcendo a distorção. Adotar a bagunça como método é começar a descobrir as texturas vibrantes de vidas e mundos que nunca tiveram permissão para florescer.”
[1] N.T.: no original, “mess things up”.