texto novo no acervo trans-anarquista, “Gêneros e Sexualidades em Movimentos Anarquistas”, de Sandra Jeppesen & Holly Nazar. originalmente publicado em inglês no livro “The Continuum Companion to Anarchism” (2012), organizado por Ruth Kinna e editado por Continuum International Publishing Group. traduzido pelo acervo digital trans-anarquista em agosto de 2025, disponível em nosso acervo digital.
“As primeiras mulheres anarquistas desafiaram a estrutura familiar patriarcal, defendendo a autonomia corporal, o acesso a métodos contraceptivos, a igualdade de gênero e a liberdade sexual. Ao mesmo tempo que desafiavam a dominação masculina, também rejeitavam a dominação do estado, recusando-se a participar nas lutas pelo sufrágio feminino. No início do século XX, mulheres anarquistas envolveram-se cada vez mais em uma série de questões, desde os direitos de trabalhadores imigrantes até organizações anti-guerra. Simultaneamente, anarquistas desempenharam um papel no crescente movimento de emancipação LGBTQ, à medida que estas lutas emergiram. Anarquistas feministas e queer se envolveram numa multiplicidade de estratégias e táticas, desde publicações clandestinas e panfletagem até ação direta e protestos, bem como práticas cotidianas, como comunas de moradia e amor livre, muitas vezes transgredindo normas sociais e a lei. Emergindo desta multiplicidade de ações anarquistas, os movimentos anarquistas queer e feministas contemporâneos têm desenvolvido análises e práticas interseccionais que levam em consideração as políticas interrelacionadas de sexualidade, gênero, antirracismo, (i)migração, imperialismo, colonialismo, capacitismo, trabalho sexual, brutalidade policial, complexo industrial-prisional, capitalismo e o estado, entre outras.”
agradecemos ao coletivo AntiOrdem por nos enviar a presente tradução, publicada originalmente no site Nova Plebe, e que divulgamos a seguir:
[Aviso de conteúdo: além da transfobia em abstrato, este artigo discute assédio, violência e abuso. Algumas fontes vinculadas para fins de referência apresentam abusos e calúnias transfóbicas.] Adendo do tradutor: eu sinto que o aviso original não foi claro o suficiente. Novamente, para fins de demonstração do problema, algumas das fontes citadas são explicitamente transfóbicas. Por favor, pense duas vezes antes de conferir se esse é um assunto que te deixa desconfortável. Deve-se notar também que algumas fontes estão datadas, o que se espera devido à idade do artigo. — Samuel N. Marques (Samu).
CRÉDITOS: Versão original: Anarchasteminist. Tradução: Samu. Tradução do Gráfico: Volf. Consultoria: Gabriel C. Revisão geral: Volf, Flari Moon.
A transfobia é uma questão de classe. Com isto quero dizer que numa sociedade de classes que também é profundamente transfóbica, é impossível falar sobre transfobia significativamente sem falar também sobre classe. As pessoas trans têm maior probabilidade, em igualdade de circunstâncias, do que os nossos colegas cis de cair nos setores mais explorados e oprimidos da classe trabalhadora e a medida em que a transfobia afetará negativamente a vida de qualquer pessoa trans será mediada pela sua classe econômica. Este artigo não pretende ser uma análise abrangente de todos os aspectos desta questão, mas contribuir para uma conversa contínua em torno dela e ilustrar uma perspectiva de luta de classes sobre questões de transgeneridade.
Por transfobia quero dizer dois fenômenos relacionados:
Hostilidade aberta e intencional ou desrespeito pelo bem-estar de pessoas trans e;
Estruturas e sistemas sociais que colocam as pessoas trans em relativa desvantagem em relação às pessoas cis na sociedade.
Estes dois tipos de transfobia não são estritamente distintos e muitas Vezes um cria ou reforça o outro.
Muitas vezes, ao se discutir a transfobia, o discurso popular centra-se na hostilidade interpessoal aberta e nos crimes de ódio violentos nas ruas. Embora estas sejam de fato questões reais e muito sérias, este foco no interpessoal e sua manifestação conduz muitas vezes a não se reconhecer os efeitos econômicos mensuráveis da transfobia nas vidas trans. Isto constitui uma forma de violência oculta, endêmica e sistemática contra as pessoas trans da classe trabalhadora.
Um relatório da UE de 2015 [1] descobriu que as pessoas trans na União Europeia tinham maior probabilidade do que seus colegas cis de estarem entre os 25% com rendimentos mais baixos, e que cerca de um terço das pessoas trans relataram ter sofrido discriminação no local de trabalho no ano anterior ao inquérito e uma proporção semelhante sofreu discriminação enquanto procurava moradia. Não é de surpreender que, dados os elevados níveis de discriminação no local de trabalho e o estigma social geral, as pessoas trans sejam desproporcionalmente mais propensas a sofrer de desemprego.
Emma Rundall realizou uma pesquisa com pessoas trans como parte de sua tese de doutorado de 2010 [2] e descobriu que 14% dos entrevistados estavam desempregados, cerca de duas vezes e meia a taxa de desemprego nacional da época (página 139 da tese), o que é consistente com uma tendência geral nos estudos, que apontam taxas mais elevadas de desemprego entre pessoas trans.
A discriminação habitacional e as elevadas taxas de rejeição e de abuso familiar também levam a taxas mais elevadas de situação de rua para as pessoas LGBTQ em geral e, em particular, para jovens LGBTQ. Um relatório de 2015 do Albert Kennedy Trust [3] descobriu que jovens LGBTQ estavam “grosseiramente super-representados nas populações de jovens sem-teto”, afirmando que um em cada quatro jovens sem-teto eram LGBTQ, o relatório também descobriu que a maioria dils jovens LGBTQ sem-teto relataram rejeição ou abuso em casa como um fator importante na sua situação de rua, uma vez que uma esmagadora maioria de fornecedores de habitação não reconhece as necessidades únicas e específicas desta comunidade marginalizada em termos de apoio habitacional. É difícil encontrar números específicos apenas para pessoas trans no Reino Unido, no entanto, no Canadá, uma nação desenvolvida culturalmente semelhante, a organização comunitária e de pesquisa Trans Pulse realizou um estudo sobre os resultados de saúde em 123 pessoas trans com idades entre 16 e 24 anos [4] com a intenção de medir o efeito do apoio parental. Todos os entrevistados que relataram pais “fortemente apoiadores” relataram estar alojados adequadamente, no entanto, quase metade dos dois terços dos entrevistados que não tinham pais fortemente apoiadores estavam “alojados inadequadamente” (sem-teto ou em situação de habitação precária), cerca de um terço das amostras total.
Para além dos efeitos econômicos da transfobia em si, podemos também considerar as intersecções entre transfobia e classe, ou seja, as formas como a classe e a transfobia interagem e ampliam os efeitos uma da outra; a maior resiliência financeira das classes média e alta, a capacidade das pessoas trans mais ricas de pagar para evitar algumas formas de transfobia, a natureza de classe das burocracias que as pessoas trans são frequentemente forçadas a atravessar, e a elevação de vozes privilegiadas na comunidade trans como as vozes autênticas de todas as pessoas trans.
Um componente central da transfobia é atualmente o controle médico, o processo pelo qual as pessoas trans são forçadas a passar por obstáculos semi-arbitrários para ter acesso a certos tipos de cuidados de saúde específicos para pessoas trans. Em Educação Sexual: Gênero e Regeneração de Mulheres Lisa Milbank discute a experiência da vida real (RLE) [5], um período de tempo em que se espera que as pessoas trans apresentem “em tempo integral” como seu gênero para ter acesso a certos tipos de cuidados de saúde, como uma forma de “ruptura” socialmente imposta em que as mulheres trans são submetidas a “uma experiência de surto público, composta de olhares constantes, assédio transfóbico e violência potencial, sem acesso a grande parte do treinamento (intensamente de dois gumes) dado às mulheres cisgênero sobre como sobreviver a isso”, enquanto Milbank se concentra na experiência das mulheres transgênero em particular, isto também se aplica, em certa medida, à experiência de outras pessoas trans. A capacidade de alguém passar por cis (de ser interpretade pela maioria das pessoas como uma pessoa cis do gênero apropriado) influenciará fortemente até que ponto o RLE é uma experiência perigosa e potencialmente traumática. Uma vez que passar por cis assume a forma, em parte, da capacidade de cumprir normas cis convencionais, sendo elas próprias fortemente classificadas (e racializadas), a capacidade de uma pessoa trans para o fazer será mediada pelo seu status de classe. Ou seja, quanto mais rica for uma pessoa, maior será a probabilidade de ela poder tomar medidas eletivas adicionais (depilação extensa, roupas especiais para esconder ou acentuar características corporais específicas de gênero, etc.) para aumentar suas chances de passar como cis. Desta forma, as pessoas trans da classe média e da classe dominante são mais facilmente capazes de entrar pelos portões para receber os cuidados de saúde e evitar os efeitos nocivos da RLE numa sociedade transfóbica. Da mesma forma, uma vez que a transfobia muitas vezes assume a forma de discriminação institucional e econômica e/ou rejeição familiar e comunitária, a segurança financeirade uma pessoa trans individual passa a ser a sua capacidade de lidar financeiramente com o isolamento e de se afastar de situações prejudiciais (por exemplo, um bairro em que estão frequentemente assediades ou uma casa de família onde são rejeitades ou abusades) é a chave para a sua capacidade de sobreviver e prosperar numa sociedade transfóbica. Embora todas as pessoas trans experimentem e sejam prejudicadas pela transfobia, a extensão desse dano terá um inevitável e forte corte de classe. Viver como uma pessoa trans hoje em dia é se encontrar frequentemente esbarrando nas diversas burocracias que lhe servem de base, desde coisas tão teoricamente simples como mudar o nome legal de alguém, até passar pelos departamentos de reclamações governamentais ou empresas a fim de garantir algum tipo de responsabilização por outro caso de transfobia. Enquanto isto seja, em teoria, algo que qualquer pessoa pode aprender a fazer, estas instituições burocráticas são complexas e excludentes por natureza e muitas vezes funcionam para favorecer as pessoas da classe média. Desta forma, mais uma vez as pessoas trans da classe trabalhadora carregam um fardo adicional com a transfobia.
Dado que pessoas trans têm uma probabilidade desproporcional de viver na pobreza e os piores efeitos da transfobia são sentidos sobretudo pelas pessoas da classe trabalhadora, por que isto não faz parte do discurso midiático sobre as pessoas trans? Por que algumas das vozes trans mais proeminentes da mídia são figuras ricas e de direita como Caitlyn Jenner? Parte disso ocorre precisamente porque a transfobia tem um forte corte de classe; tal como discutido acima, as pessoas mais ricas terão mais facilidade em “passar” e cumprir os padrões de conformidade cis-heteronormativos esperados das vozes profissionais nos meios de comunicação social. Da mesma forma, é verdade que as pessoas trans ricas e de classe média têm mais probabilidades de ter as ligações necessárias para terem uma presença importante nos meios de comunicação social. Quando ela inclui qualquer tipo de voz trans em primeiro lugar, o discurso sobre questões trans na mídia hegemônica é dominado por uma minoria não representativa de mulheres trans ricas, brancas, de classe média. Seria negligente da minha parte não notar aqui uma ironia óbvia, uma vez que, embora esteja longe de ser rica e nunca tenha sido, como estudante branca de pós-graduação, estou longe de representar a maioria das pessoas trans e em minha defesa, não pretendo.
Uma forma comum de rejeitar as tentativas das pessoas trans de levantar questões que nos afetam ou criticar instituições, ou figuras públicas, que nos prejudicaram como grupo é nos considerar privilegiades. “Pessoas trans são um bando de gente de classe média ou um bando de estudantes universitários ricos que estão apenas procurando algo do que reclamar”. Por exemplo, depois que a jornalista Suzanne Moore saiu em um discurso bizarro e transfóbico no Twitter [6] em resposta às críticas sobre o texto de um de seus artigos, a colega de carreira no jornalismo Julie Burchill escreveu um artigo, inicialmente publicado no Observer, mas que acabou retirado e depois republicado pela Spiked [7], que, embora consistisse na maioria numa série de insultos transfóbicos, também ilustrava perfeitamente esta tendência ideológica. Após afirmar que ela e outras jornalistas transfóbicas são “parte da pequena minoria de mulheres de origem da classe trabalhadora que conseguem sobreviver no que costumava ser chamado de Fleet Street”, Burchill continua retratando as pessoas trans como acadêmiques com “grandes doutorados”, tentando silenciar as mulheres cis da classe trabalhadora argumentando sobre “semântica” (a semântica neste caso é o uso que Moore faz de “transexuais brasileiras”, um grupo atormentado por níveis particularmente elevados de pobreza e violência [8] como um termo pejorativo descartável). Embora certamente | existam academiques trans, estamos longe de ser a maioria das pessoas trans ou mesmo de ativistas trans, nem somos necessariamente tão privilegiades como Burchill gostaria de sugerir. Ao envolverem-se neste apagamento das pessoas trans da classe trabalhadora, os transfóbicos conseguem banalizar os graves efeitos materiais da transfobia, conforme discutido acima, e excluir retoricamente as pessoas trans da classe trabalhadora.
No seu excelente ensaio de 2008 “O multiculturalismo liberal é a hegemonia — é um facto empírico” — resposta a Slavoj Zizek [9], Sara Ahmed salienta que o racismo é frequentemente projetado na classe trabalhadora branca, com as proibições liberais à intolerância aberta servindo apenas como um meio de transferir a intolerância para alguns outros marginalizados. Vemos um processo semelhante com a transfobia, o preconceito contra as pessoas trans é codificado como definitivamente da classe trabalhadora e, portanto, a existência de pessoas trans da classe trabalhadora pode ser ignorada como impossível por definição. Um jornalista bem pago do Observer pode ridicularizar as pessoas trans em massa como crianças de classe média, obcecadas com identitarismo, porque todos sabem que as verdadeira classe trabalhadora é branca, cishetetero e hostis a qualquer pessoa que não seja branca ou cishetetero. A realidade, claro, é que esta imagem de uma classe trabalhadora “comum” como padrão é uma fantasia, a classe trabalhadora é uma classe estranha, maravilhosa e diversificada, e apenas uma política que reconhece as muitas e variadas formas como vivenciamos a exploração e a opressão podem permitir-nos construir um movimento para acabar com elas e, em última análise, abolir a própria classe.
CITAÇÕES: [1] Being Trans in the EU: Comparative analysis of the EU LGBT survey data. Disponível em: https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra-2015-being-trans-eu- comparative-summaryen.pdf [2] Rundall, E. C. (2010). “Transsexual” people in UK workplaces: An analysis of transsexual men’s and transsexual women”s experiences. PhD Thesis. Oxford Brookes University. Disponível em: https://radar.brookes.ac.uk/radar/file/517779d1-f95f-7b7b-e2b9-368c9clfc784/1/rundall20 1 Otransexual.pdf [3] LGBT Youth Homelessness: A UK NATIONAL SCOPING OF CAUSE, PREVALENCE, RESPONSE, AND OUTCOME. Disponível em: https://www.taipawb.org/wp-content/uploads/2018/07/LGBT-Youth-Homelessness-A-UK-National-scoping-of-cause-prevalence-response-and-outcome.pdf [4] Impacts of Strong Parental Support for Trans Youth: A report prepared for Children”s Aid Society of Toronto and Delisle Youth Services. Disponível em: https://transpulseproject.ca/wp-content/uploads/2012/10/Impacts-of-Strong- Parental-Support-for-Trans-Youth-vFINAL.pdf [5] Sex Educations: Gendering and Regendering Women. Disponível em: https://radtransfem.wordpress.com/2012/02/03/sex-educations-gendering-and- regendering-women/ [6] Suzanne Moore: timeline of trans-misogynistic twitter rant. Disponível em: https://archive.is/cZGpCYselection-113.0-113.58 [7] Hey trannies, cut it out: Where do dicks in terrible wigs get off lecturing us natural-born women about not being quite feministic enough? Disponível em: https://archive.is/X VrUPáselection-244.0-244.1 [8] One LGBT person is killed every 25 hours in Brazil. Disponível em: https://www.thepinknews.com/2017/01/28/one-lgbt-person-is-killed-every-25- hours-in-brazil/ [9] Liberal multiculturalism is the hegemony — it’s an empirical fact” — a response to Slavoj Zizek. Disponível em: https://libcom.org/article/liberal-multiculturalism-hegemony-its-empirical-fact-response-slavoj-zizek-sara-ahmed.
material novo inserido no acervo trans-anarquista: “roteiro de estudos trans feminista radikal anarkuir”, por technogender. disponível em pdf em nosso acervo digital.
chamada aberta para envio de materiais para a segunda edição da revista trans-libertária (revista digital)
enviar para o e-mail transanark@anche.no imagens devem ser enviadas em JPG ou PNG textos devem ser enviados em .doc, .docx ou .rtf (word ou LibreOffice)
prazo de envio: 01/10/2025
todas as informações podem ser encontradas no site: transanarquismo.noblogs.org
fotos do bloco dissidente na marcha do “orgulho” no Chile ontem, em protesto contra o genocídio e discursos da extrema direita no contexto das eleições presidenciais 2025. Em memória dos nosses mortes, e em defesa de Estefano.
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Nos organizamos en un apañe transfronterizo por la libertad de Estefano, compañero transmasculino de 22 años de la periferia de Santiago de Chile, Pudahuel, secuestrado hace más de 3 años por el Estado chileno, por defenderse de un ataque transodiante. Actualmente, y hace unos meses, fue trasladado al penal de la ciudad de Arica, en Chile, donde cumple prisión preventiva aislado de cualquier apañe marica y de su familia. Estefano está preso por defenderse. Autodefensa no es delito.
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Estefano é um companheiro transmasculino de 22 anos da periferia de Santiago, Chile, Pudahuel, e foi sequestrado há mais de 3 anos pelo estado chileno, por defender-se de um ataque de ódio. Há alguns meses, foi transferido para a penitenciária da cidade de Arica, no Chile, onde cumpre prisão preventiva, sem contato com sua família e sem acesso a cuidados de saúde trans. Estefano está preso por se defender. Autodefesa não é crime.
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O perfil @estefano.2024.2025 no instagram acompanha o caso de Estefano e publica atualizações.
Pessoas trans devem formar coalizões para enfrentar um governo que se alia à crueldade
por Kell w Farshéa
texto publicado em 30 de outubro de 2024 no site Freedom News. tradução por acervo digital trans-anarquista.
Do genocídio em Gaza à recusa em se pedir perdão pela escravização de milhões de africanos, do controle de natalidade à proibição de todos os cuidados de saúde para pessoas trans menores de 18 anos – o governo de Keir Starmer nos mostra sua obstinada determinação em se colocar, juntamente ao seu líder, no lado da repressão, da crueldade e do fascismo.
Anarquistas ficaram roucos gritando, em meio ao barulho da propaganda eleitoral, que votar não vai libertar ninguém, mas o governo Starmer esperou apenas oito dias para Wes Streeting defender a decisão do governo conservador de retirar o financiamento do NHS e a prescrição privada de cuidados de saúde de afirmação de gênero para menores de 18 anos. Isso deixou crianças e jovens sem acesso a cuidados de saúde e informações educacionais de qualidade revisadas por pares — uma situação inédita desde a época da Seção 28. Em maio, o Chalmers GIC & NHS Lothian, na Escócia, “congelou” os encaminhamentos para cuidados de afirmação de gênero para adultos de 18 a 24 anos, citando a Cass Review. Este pode ser o primeiro passo de uma missão transfóbica em que, após ter conseguido eliminar terapias, tratamentos e prescrições para crianças e jovens, o próximo alvo são os adultos. Isso certamente expõe o fato de que não se trata e nunca se tratou de crianças pré-púberes. Sempre se tratou da erradicação e do silenciamento de toda a população trans. Acontece que as crianças pré-púberes eram o alvo mais fácil e emocionalmente sensível para começar.
À luz do caso Cass e da liderança assumida por Streeting e Starmer, ativistas estão relatando um aumento no número de médicos que decidiram parar de prescrever terapia hormonal para adultos trans. Com o colapso do Gender GP no início deste ano, as opções para adultos trans acessarem terapias hormonais já foram significativamente reduzidas. Agora também está nítido que recorrer aos tribunais não é uma forma eficaz de lutar por cuidados e tratamentos para a população trans no Reino Unido.
Mas há mais por vir. Em agosto, o NHS England anunciou que havia nomeado o Dr. David Levy para liderar uma revisão dos serviços de saúde para adultos trans, em conformidade com as recomendações da Cass Review. Ativistas trans temem que isso gere a mesma falha na abordagem de pesquisa que caracterizou a Cass Review. A nova revisão de Levy assusta pessoas trans, não binárias, intersexou e gênero-não-conformes, pois ameaça destruir até mesmo as disposições mais básicas que temos na lei, na medicina e em nossas vidas sociais.
SOLIDARIEDADE DESTEMIDA Faltam três meses para a data da minha cirurgia. Recebo meu estrogênio por meio de uma receita do Sistema Nacional de Saúde (NHS). No último fim de semana, eu estava em uma confraternização familiar, onde uma pessoa que provavelmente se considera uma aliada questionou a raiva que sinto pelos anos que passei na lista de espera para a cirurgia, comparando minha transição a ter câncer. Se eu tivesse câncer, será que eu gostaria que os recursos do NHS fossem gastos no tratamento da doença e não em uma preocupação secundária como a cirurgia de afirmação de gênero? Mordi a língua porque estava em um evento familiar importante, comemorando as bodas de diamante de um casal que sempre se esforça para usar meu nome e pronomes corretos. O que eu queria dizer, mas não disse, era que, na verdade, não: se eu tivesse câncer amanhã, ainda assim gostaria de fazer minha cirurgia de afirmação de gênero antes de qualquer cirurgia para o câncer, porque se estivesse deitada em uma enfermaria me recuperando do câncer, gostaria de ser tratada com respeito, não como um objeto de repulsa ou diversão.
Passei muito tempo com medo de ser quem sou e ninguém, nem Keir Starmer, nem Kemi Badenoch, nem o Dr. David Levy, vai me dizer, pelo resto da minha vida, quem eu sou, de que cuidados de saúde preciso, qual é o meu nome ou quais são os meus pronomes.
Lembrei-me do Dr. James Barry, que se tornou um dos cirurgiões mais importantes da medicina britânica do século XIX. Ele deixou instruções claras de que, após a morte, seu corpo não deveria ser despido, lavado e vestido, mas que deveria ser enterrado com as roupas com que morreu. Ele tinha um bom motivo. Infelizmente, seus desejos não foram respeitados. Ao remover suas roupas, descobriu-se que ele tinha um corpo “feminino”. Durante décadas, ele foi descrito como uma mulher que teve sucesso em uma profissão masculina disfarçando-se de homem; ele foi aclamado pelas feministas da história, que o consideravam uma heroína. Foi somente nos últimos anos, quando pessoas trans e não binárias começaram a se inserir nos debates, que as pessoas começaram a questionar se James era, de fato, alguém que hoje poderíamos descrever como trans. Que talvez ele estivesse vivendo sua melhor vida como homem em uma profissão masculina e na companhia de homens. Talvez a razão pela qual ele não quis ser despido após a morte seja a mesma razão pela qual eu priorizaria a cirurgia de redesignação de gênero em vez do tratamento do câncer: porque na vida e na morte, ele e eu queremos ser vistos como quem dizemos ser — e não como as pessoas nos definem com base em nossos órgãos genitais.
Minha vida tem sido uma contradição de sorte e tristeza. Levei até os 54 anos para finalmente perceber que a solução para minha terrível disforia de gênero não estava sendo resolvida ou enfrentada ao me identificar como um homem feminino ou “um homossexual afeminado” e que, na verdade, passei mais de 40 anos da minha vida tentando esconder minha transgeneridade. Passei décadas da minha vida sendo marginalizada pela sociedade, pela comunidade lésbica e gay, pelos profissionais da área médica, pela mídia e pela classe política. Tive sorte porque, em 2020, consegui me inscrever em um programa piloto em Londres chamado Trans Plus, na Dean Street, que me acelerou as consultas, os marcos e as listas de espera. Portanto, estou a apenas alguns meses da cirurgia, tendo passado por todo o processo médico em apenas cinco anos. Muitas pessoas esperam esse tempo todo apenas pela primeira consulta de avaliação.
Passei minha adolescência, meus vinte e trinta anos fazendo piquetes em lojas, veículos de comunicação, delegacias, autoridades locais e departamentos governamentais por questões tão diversas quanto óbitos de pessoas sob custódia policial e a crise da AIDS. Sim, deixamos as pessoas desconfortáveis quando elas tomavam atitudes intolerantes! De marchas por Mansfield e Orgreave a ações antifascistas, boicotes à caça e direitos de lésbicas e gays, saímos dessas identidades isoladas e das caixas criadas para nós pelo estado, pela política eleitoral e pelos antigos binários simplistas e, em vez disso, construímos coalizões de resistência além das divisões. Construímos conexões e comunidades de resistência, encontramos amizades e co-conspiradores.
Devemos nos inspirar em grupos como o ACT UP e menos em instituições de caridade do terceiro setor, como a Stonewall. Precisamos quebrar o modelo de impunidade. O Transgender Action Block vem fazendo piquetes contra as TERFs há algum tempo e construindo redes offline de resistência. Recentemente, o excelente Trans Kids Deserve Better começou a fazer piquetes em departamentos governamentais e também levou a luta diretamente ao escritório eleitoral de Wes Streeting. Eles criaram a conta @KidsAreDyingWes no Instagram, onde você pode baixar um desenho de caixão e criar uma mensagem para Wes Streeting, secretário de saúde e o político LGBTIA mais graduado da história política britânica. Streeting escolheu uma carreira ministerial de alto escalão em detrimento de sua própria comunidade e traiu as crianças trans. Todos os dias, deixam um ou mais caixões do lado de fora do escritório de seu eleitorado para lembrá-lo disso.
em 12 de junho de 2025, o prefeito do rio de janeiro sancionou a lei nº 8.936, que obriga estabelecimentos de saúde no município (unidades hospitalares, instituições de saúde, clínicas de planejamento familiar e outros) a afixar placas com frases anti-aborto em suas unidades.
além de conterem mentiras, as frases são extremamente violentas e agressivas. isso é mais uma expressão do que o estado significa para nós, de sua forma de dominação masculina e cis-patriarcal.
abaixo, as frases que essa lei obriga os estabelecimentos a afixar em suas unidades:
“Aborto pode acarretar consequências como infertilidade, problemas psicológicos, infecções e até óbito” “Você sabia que o nascituro é descartado como lixo hospitalar?” “Você tem direito a doar o bebê de forma sigilosa. Há apoio e solidariedade disponíveis para você. Dê uma chance à vida!”
em 16 de maio 2025, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução CFM 2.427/2025. é uma resolução transfóbica que reforça a violência do estado e das grandes corporações sobre as nossas vidas.
o acompanhamento médico é fundamental para garantir uma hormonização segura e saudável, mas, na ausência do acesso à saúde que caracteriza a maior parte das vidas trans, a informação e o autocuidado são ferramentas de sobrevivência!
tradução do texto “sexualidade como forma de estado”, de Jamie Heckert. originalmente publicado em inglês, em 2011, no livro “Post-Anarchism: A Reader”, organizado por D. Rousselle & S. Evren, publicado por Ann Arbor/Londres: Pluto Press. tradução pelo acervo digital trans-anarquista em junho de 2025. disponível em nosso acervo digital.
“Se o anarquismo não é uma ideologia fixa, mas uma tendência em contínua evolução na história humana “para desmantelar […] formas de autoridade e opressão” (Chomsky, 1970), então parece evidente para mim que o anarquismo pode ser percebido nas críticas queer sobre qualquer suposta fronteira existente entre heterossexual e homossexual, e a violência que seu policiamento envolve. Portanto, nesse sentido, uma abordagem anarquista da orientação sexual não é particularmente original nem necessária. A teoria queer e os movimentos feministas e outros movimentos dos quais e com os quais ela se desenvolve já estão fazendo esse trabalho. Dito isso, sugiro que uma crítica explicitamente anarquista da orientação sexual pode ser valiosa para recontextualizar histórias, compreender experiências contemporâneas e desenvolver novas formas de relações e movimentos sociais.”
tradução do artigo “fazendo uma bagunça: expandindo mundos anarquistas e feministas”, de Anastasia Murney. texto originalmente publicado em inglês no periódico Coils of the Serpent, em 2023, com o título “Making a Mess: Expanding Anarchist and Feminist Worlds”. tradução por acervo digital trans-anarquista em maio de 2025, disponível em nosso acervo digital.
“Neste artigo, proponho um método de criar mundos que se atente ao valor da bagunça. Abordo a bagunça de duas formas. Em primeiro lugar, uso ‘bagunça’ para me referir ao excedente: o material excessivo e ilegível que é deixado de fora das narrativas históricas oficiais. Em segundo lugar, pretendo criticar o uso de bagunça no sentido pejorativo, para acusar alguém de estar errado ou de distorcer algo; para fazer uma bagunça ou estragar as coisas[1]. Encontro afinidades bagunçadas no livro de Saidiya Hartman, Wayward Lives, Beautiful Experiments, que retrata a rebelião de jovens negras e pessoas gênero inconformes na Filadélfia e em Nova York na virada do século XX. Ela explica como a categoria legal de ‘rebeldia’ foi estrategicamente utilizada para capturar e confinar mulheres jovens sob o pretexto de ‘criminalidade iminente’. Hartman transforma o termo em uma prática fervorosa de liberdade, “o desejo ávido por um mundo não governado pelo senhor, pelo homem ou pela polícia” (2019: 227). A rebeldia é anarquista mas também é mais do que anarquismo. Como escreve Hartman, “somente uma leitura equivocada dos principais textos do anarquismo poderia imaginar um lugar para as meninas de cor” (230). Essa citação nos convida a traçar os caminhos dos sujeitos cujos encontros com o anarquismo (e outras lutas políticas) são enquadrados com um prefixo negativo: como mal-entendido, má interpretação, má leitura. Pretendo sugerir que uma distorção do anarquismo é precisamente o que é necessário para nos guiar até os camaradas perdidos e desenvolver uma estrutura mais generativa e mais bagunçada sobre o que o anarquismo pode ser. No entanto, como argumenta Kathy E. Ferguson, a familiar versão canônica do anarquismo é, em si, uma distorção, favorecendo aqueles que possuem o poder de publicar (2011: 265). Portanto, o que estou fazendo, em solidariedade àqueles que foram difamados como bagunceiros ou cujas atividades foram relegadas ao obscuro interior da luta política, é um tipo de deturpação corretiva, distorcendo a distorção. Adotar a bagunça como método é começar a descobrir as texturas vibrantes de vidas e mundos que nunca tiveram permissão para florescer.”
do latim spatĭum, algo que contém matéria, algo que ocupa um entre, algo que é ocupado por algo. “não há mais espaço” – para quê? “abra espaço” – para quem? é algo que interfere, que sofre interferências. pensar em um espaço exige que o identifiquemos. não há espaço sem vínculo, pode haver espaço des-vinculado, mas não isolado. um espaço é como um sonho, uma linguagem que não se traduz, mas que se transcreve, pois fala a si em seu entorno: não há espaço apenas, há espaço sempre em relação.
significar um espaço anarquista não deve ser simples. exige que definamos ‘espaço’ e ‘anarquista’. se nos implicamos na tarefa de definir as coisas por meio da linguagem da representação – essa que nos foi ensinada -, já não podemos definir um espaço anarquista, ainda que usemos neologismos. as bases do que constitui um espaço, em nosso mundo, encerram as possibilidades de um espaço anarquista. não penso, com isso, que o anarquismo esteja fora do que entendemos como “nosso mundo”, mas sim que está inserido no sistema da representação e em oposição ao mesmo. um espaço anarquista seria um espaço de contínua oposição e criação.
disso, trago três questionamentos: como poderíamos nos opor a um sistema que constitui espacialidades – e aqui me refiro a registros cartoriais e leis de propriedade – quando nossas ferramentas de fundação de “espaços” dependem de instituições hierárquicas, burocráticas e cartoriais do mundo capitalista? se insistimos em construir algo (um espaço, que seja) que desobedeça a ‘ordem vigente’, que linguagem poderíamos empregar? se concordamos com a assertiva de Proudhon de que a “propriedade é roubo”, seria coerente atribuir o adjetivo ‘anarquista’ a um estabelecimento comercial com cnpj?
ouvi de uma pessoa querida que um espaço anarquista é um espaço onde há anarquistas. ora, o mundo é um espaço anarquista então. mas talvez o sentido da frase tenha sido outro: onde há muitos anarquistas, as relações firmadas desobedecem a ordem vigente, já não são hierárquicas, não se respeita autoridade, não se toleram opressões, e funda-se, portanto, um espaço anarquista. escrever essa última frase foi desafiador, pois nesse momento nada me parece mais tolo do que acreditar nisso. basta olhar em volta e observar os movimentos da militância branca, cis-heteronormativa, patriarcal e conservadora que perdura no anarquismo. afirmar, como fazem tantos críticos do “identitarismo”, que ‘anarquista’ não é uma identidade implica que não há algo como um ‘espaço anarquista’, um espaço adjetivado antes mesmo das práticas que o organizam.
David Graeber escreveu que “a última coisa que queremos é, afinal, impor modelos pré-fabricados de sociedade”. pois bem, organizar um ‘espaço anarquista’, se é que isso é viável nesse mundo, significa desorganizá-lo em primeira mão; significa se recusar a conceber uma noção de ‘espaço anarquista’; significa “fazer uma bagunça”, como escreveu Anastasia Murney, e destruir os sentidos que poderíamos, antes, atribuir a qualquer noção de ‘espaço’. porque essa noção envolve aquilo que a circunda, aquilo que a preenche; envolve tanto os sujeitos que habitam o espaço como o próprio status de sujeito, que a alguns é conferido e a outros, não. da desorganização, que entendo como desobediência, a organização se cria, jamais se encerrando em si mesma, e não se exime da necessidade de se destruir para então renascer.
voltemos ao que ouvi: a prática é o que funda o espaço; se há muitos anarquistas em um espaço, praticando a anarquia, se criaria um espaço anarquista, de cultura libertária. mas sinto uma inclinação a repensar o conceito de “cultura libertária”, assim como faz Tomás Ibáñez. para Ibáñez, a vontade de cultura libertária nos levaria à busca por unicidade, seria a expressão de uma pseudo-vontade de poder, de estabelecer uma cultura. se há pretensão de encerramento, como na definição de espaço anarquista, me parece haver, no fundo, uma pretensão de totalidade, de dar conta de tudo o que esse espaço poderia ser – especialmente quando esse espaço é fundado a partir da identificação de uma suposta falta.
Ibáñez pensa no sentido de uma anticultura. não no preenchimento de uma falta, mas na abertura de brechas, de recusar esse mundo tanto quanto imaginar outros radicalmente, e isso parece envolver um abandono e o desejo de destruir a espacialidade capitalista e a lógica mercadológica.
não consigo imaginar (radicalmente) espaços anarquistas que não se assemelhem a algo totalmente avesso à noção de propriedade (pensemos em okupas e ocupações, em iniciativas de autogestão), ou mesmo de cultura. que possamos construir espaços constantemente imaginados, coletivamente materializados, que não se encerrem em si mesmos, e que não contenham em si uma pretensão de totalidade.
GRAEBER, David. Você é anarquista? Disponível na Biblioteca Anarquista Lusófona. IBÁÑEZ, Tomás. Interstícios Insurrectos: Antologia de Tomás Ibáñez. Lisboa: Barricada de Livros, 2022. MURNEY, Anastasia. Making a Mess: Expanding Anarchist and Feminist Worlds. Coils of the Serpent v. 11, 2023, pp. 67-85. PROUDHON, Pierre-Joseph. O que é a propriedade? Lisboa: Editorial Estampa, 1975.
no dia 24/04/2025, ocorreram atos em vários territórios no brasil pela revogação da resolução nº 2.427/2025 do conselho federal de medicina, que determina impedimentos ao atendimento médico oferecido a pessoas trans. os atos ocorreram em espaços públicos, na maioria em frente às subsedes dos conselhos regionais de medicina.
essa resolução:
Proíbe a administração de bloqueadores hormonais e realização de hormonização cruzada para pessoas trans menores de 18 anos;
Obriga pessoas trans adultas a se submeterem a 1 ano de acompanhamento psiquiátrico para poderem iniciar terapia hormonal.
Proíbe que pessoas trans com menos de 21 anos realizem cirurgias de afirmação de gênero.
nossa autodeterminação não é negociável! por saúde trans autônoma!
CONVOCAMOS TODES PARA O ATO REGIONAL CONTRA A RESOLUÇÃO Nº2.427/2025 DO CFM NO RIO DE JANEIRO!
O Conselho Federal de Medicina publicou, no dia 8 de abril de 2025, a Resolução Nº 2.427/2025, que determina impedimentos ao atendimento médico oferecido a pessoas trans.
A Resolução:
Proíbe a administração de bloqueadores hormonais e realização de hormonização cruzada para pessoas trans menores de 18 anos;
Obriga pessoas trans adultas a se submeterem a 1 ano de acompanhamento psiquiátrico para poderem iniciar terapia hormonal.
Proíbe que pessoas trans com menos de 21 anos realizem cirurgias de afirmação de gênero.
Essa Resolução representa um retrocesso da saúde trans no Brasil. É uma ameaça à autodeterminação de pessoas trans e institui maior controle médico transfóbico e tutela médica sobre nossas vidas.
Nossa autodeterminação não é negociável! Em defesa da saúde e das juventudes trans já!
nova tradução do acervo trans-anarquista: “Notas sobre as (im)possibilidades de uma abolição queer anti-colonial do mundo (carcerário)”, de Caia Maria Coelho e Alexandre Martins.
texto originalmente publicado em inglês no periódico GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, 28:2, e intitulado “Notes on the (im)possibilities of an anti-colonial queer abolition of the (carceral) world”. DOI 10.1215/10642684-9608133. Traduzido por acervo digital trans-anarquista em abril de 2025.
a tradução completa pode ser encontrada em nosso acervo digital.
nova tradução do acervo trans-anarquista: “‘Estamos Aqui! Somos Queer! Somos Anarquistas’: A Natureza da Identificação e Subjetividade entre Black Blocs”, de Edward Avery-Natale.
publicado originalmente em inglês no periódico Anarchist Develpments in Cultural Studies, volume 2010.1, no dossiê Post-Anarchism today, e intitulado “‘We’re Here, We’re Queer, We’re Anarchists’: The Nature of Identification and Subjectivity Among Black Blocs”.
a tradução completa pode ser encontrada em nosso acervo digital.
“Nos protestos contra o G20 em Pittsburgh, em 2009, um grito popular entoava a frase: “We’re here! We’re queer! We’re anarchists, we’ll fuck you up!” [Estamos aqui! Somos queer! Somos anarquistas, vamos acabar com vocês!”]. No entanto, é quase impossível que todos os integrantes do black bloc que entoaram esse grito se identificassem como queer em sua vida cotidiana. Neste artigo, defendo que a autoapresentação dos participantes do black bloc, especialmente quanto ao mascaramento do rosto com uma bandana preta e ao uso da própria cor preta, permite a destruição de uma identificação anterior e a recriação temporária de uma nova identificação. Enfatizo as teorias desenvolvidas por Deleuze & Guattari e Giorgio Agamben. Também analiso uma zine produzida pelos organizadores da resistência ao G20 em Pittsburgh para mostrar que minha interpretação da subjetividade black bloc se espelha nas reivindicações dos participantes do black bloc.”
novo texto publicado no acervo digital trans-anarquista.
tradução do artigo “Perspectivas Anarquistas-Feministas sobre Saúde Reprodutiva e Trans Autônoma”, de Alex Barksdale. tradução por acervo trans-anarquista. a versão completa dessa tradução pode ser encontrada em nosso acervo digital.
texto originalmente publicado em inglês no periódico Coils of the Serpent (11): 120-147, intitulado “Anarchist-Feminist Perspectives on Autonomous Reproductive and Trans Health”.
“Neste ensaio, examino as práticas autônomas de saúde [PAS] transfeministas, incluindo o aborto clandestino e autoadministrado que emerge do contexto da autoajuda feminista (Erdman, Jelinska e Yanow 2018; Murphy 2012; Thorburn 2017) e o uso autogerenciado de hormônios que emerge da “bricolagem trans” e do apoio mútuo (Edenfield, Holmes e Colton 2019; Raha 2021). Defendo que as PAS transfeministas são ferramentas singulares na luta pela autonomia reprodutiva, sexual e de gênero. Além disso, essas práticas ajudam a cultivar imaginações radicais de autonomia corporal e oferecem uma alternativa às políticas liberais feministas e trans que recorrem ao estado. Entretanto, com base no feminismo-anarquista e na justiça reprodutiva, afirmo que tais práticas não são suficientes em si mesmas para a conquista da autonomia corporal. Pelo contrário, defendo que as PAS devem ser entendidas e praticadas como parte de movimentos mais amplos de justiça e emancipação”.
Na segunda-feira, 3 de fevereiro, Louna, uma ativista contrária ao projeto da rodovia Toulouse-Castres, foi submetida à prorrogação de sua detenção em confinamento solitário em uma prisão masculina até 15 de junho. Ela foi acusada de “destruir a propriedade de terceiros por meios perigosos” e “conspiração criminosa”.
descrição da imagem: Ativistas que protestam contra a rodovia A69 em Toulouse, em 25 de novembro (Antoine Berlioz/Hans Lucas. AFP)
Na segunda-feira, 3 de fevereiro, uma ativista trans acusada e presa em decorrência de seu protesto contra o projeto da rodovia A69 Toulouse-Castres teve sua detenção em confinamento solitário em uma prisão masculina prorrogada até 15 de junho, de acordo com o promotor público e sua advogada.
Cerca de 30 a 40 pessoas se reuniram em frente ao tribunal de Toulouse pela manhã para exigir a libertação da ativista, identificada apenas por seu primeiro nome, Louna, durante sua apresentação a um Juge des libertés (JLD), de acordo com sua advogada, Claire Dujardin.
Em meados de outubro de 2024, essa pessoa, nascida em 1999, foi acusada de “destruição da propriedade de terceiros por meios perigosos, conspiração criminosa para planejar um delito punível com 10 anos de prisão e recusa em submeter-se a uma amostra biológica destinada a permitir a análise e identificação da impressão digital genética”, de acordo com a promotoria pública de Toulouse. Em seguida, ela foi mantida sob custódia na prisão de Tarbes (Hautes-Pyrénées), uma prisão masculina onde foi mantida em confinamento solitário por quase quatro meses, de acordo com seu comitê de apoio, que inclui membros de organizações contrárias ao projeto da rodovia A69.
“Por ser uma mulher trans, ela está sendo mantida em confinamento solitário”, diz uma declaração de apoio publicada nas redes sociais sob o título “Free Louna”. Essa detenção “extremamente grave”, segundo Dujardin, foi prorrogada até 15 de junho, em um total de oito meses. “Colocar uma jovem mulher trans em confinamento solitário em uma prisão masculina enquanto aguarda julgamento é uma forma de abuso”, disse Isabelle Carsalade, psiquiatra infantil e membro do coletivo anti-A69, la Voie est Libre.
“Não houve nenhum assassinato”, explica ela, considerando essa detenção preventiva ainda mais ‘violenta’, pois ‘uma transição de gênero é algo já complicado’. Uma máquina de construção foi incendiada em maio de 2024, não muito longe da rota da A69, a rodovia disputada que deve ligar Toulouse a Castres até o final de 2025 e que é objeto de inúmeros conflitos legais e manifestações de oposição.
notícia retirada do site Out Front Magazine, em 24 de Janeiro de 2025.
A Alianza Mexicana de Trabajadoras Sexuales, ou Aliança Mexicana de Trabalhadoras Sexuais, realizou um protesto no Edifício Juan N Álvarez Hurtado, na Cidade do México, para protestar contra a possível soltura de um homem que esfaqueou uma mulher trans. O homem, Alejandro “N”, esfaqueou a mulher trans e ativista Natalia Lane em 2022 e foi liberado da prisão e autorizado a permanecer em prisão domiciliar enquanto seu caso está em andamento. Natalia Lane disse: “Se eu morrer amanhã, suas mãos estarão manchadas de sangue”, no protesto em resposta a essa decisão tomada pela juíza magistrada Ruby Celia Castellanos Barradas.
As ativistas invadiram o prédio judicial em 16 de janeiro, picharam as paredes com suas reivindicações e quebraram vidros dentro do prédio. Durante o ato, Natalia disse: “Cansamos de ser pacientes, de esperar por justiça e reparação. O Judiciário, a partir de hoje, não terá paz”. Se esperarmos que nossa liberação nos seja concedida, estaremos sempre esperando.
A Aliança Mexicana de Trabalhadoras Sexuais se deparou também com manifestantes de oposição do Coletivo Nacional Não Mais Prisioneiros Inocentes, que defende Alejandro “N.”. De acordo com o La Prensa, os dois grupos estavam jogando tinta vermelha e água um no outro. Outros membros e aliados LGBTQ também estavam presentes, como Consuelo, uma mãe cuja filha trans Vanessa foi assassinada em fevereiro de 2024 e cujo assassino continua sem receber uma sentença quase um ano depois.
Essas histórias, embora importantes, não são únicas. A violência contra as pessoas trans acontece em todo o mundo e muitas vezes é ignorada ou varrida para debaixo do tapete. Há muitas pessoas e grupos que trabalham arduamente para silenciar as vozes LGBTQ+ e outras vozes marginalizadas. Eles tentarão manter o status quo em que nossas comunidades permanecem caladas e com medo. Mas nós seremos ouvides e vistes. As pessoas trans sempre existiram e sempre existirão. Continuaremos a nos organizar e a promover a nossa comunidade. Continuaremos a resistir.
publicamos uma tradução livre do prefácio e da introdução do livro “Uma breve história da trans-misoginia”, de Jules Gill-Peterson. tradução do inglês para o português realizada por Bibliopreta e acervo trans-anarquista.
a tradução completa em PDF pode ser encontrada em nosso acervo digital e na biblioteca on-line da Bibliopreta (@bibliopreta).
““Transmisoginia” se refere à depreciação dirigida tanto à feminilidade trans como às pessoas consideradas transfemininas, independentemente de como estas se entendem. Embora ela possa se apresentar como um sistema de crenças, a transmisoginia também estrutura o mundo material por meio de disparidades nas possibilidades de vida e um conjunto de regimes punitivos característicos. Como um exercício de violência interpessoal ou estatal, a transmisoginia opera por meio da lógica do ataque preventivo. Ela transfeminiliza seus alvos sem o seu assentimento, geralmente sexualizando sua suposta feminilidade como se fosse uma expressão de agressão masculina. Esse processo de reconhecimento errôneo e projeção constroi seus alvos como inerentemente ameaçadores. O rótulo de ameaça, por sua vez, justifica a agressão ou a punição racionalizada após o fato como uma resposta legítima à vitimização — um manual de interesses próprios, se é que existe um. Quem quer que exerça a transmisoginia desfruta do raro privilégio de ser ao mesmo tempo a vítima e o juiz, o júri e o carrasco. A transgressão que desencadeia essa ofensiva pode ser tão mundana quanto andar na rua, ou um pânico moral tão exagerado quanto o suposto fim da civilização Ocidental. Seja como for, a presença passiva de uma pessoa trans-feminizada constitui quase sempre o pretexto solipsista para atacar primeiro. A transmisoginia ataca a própria existência da transfeminilidade ao atacar pessoas reais.”
texto originalmente publicado em inglês no site Antidote Zine. transcrito do episódio “This is Hell! Radio”, de 19 de julho de 2020. traduzido por acervo trans-anarquista em janeiro de 2025. essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital.
Se o anarquismo é uma derrubada radical do próprio estado que dita o que nos é possível, então o anarquismo exige que pensemos em coisas aparentemente impossíveis.
Fonte da imagem: Instagram, via Ill Will Editions
“Anarquismo é o desprezo pela subordinação e dominação. Não é o desprezo pelas regras. Ainda teremos sinais de trânsito e coisas desse tipo. É um desprezo pela imposição de regulamentos disciplinares punitivos que, de fato, impedem a proliferação da vida e da possibilidade da vida – isso é autoridade.”
texto originalmente publicado em inglês no site Bookriot. traduzido por acervo trans-anarquista em janeiro de 2025. foi empregada linguagem neutra e inclusiva em todo o texto. essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital.
Se você não sabe nada sobre anarquismo, está na hora de aprender. Qualquer pessoa que se considere contrária ao fascismo foi rotulada como terrorista nos Estados Unidos da América, a polícia federal está sequestrando manifestantes nas ruas das principais cidades e as forças policiais locais são constantemente designadas para serem nossos juízes, jurados e carrascos.[2] Se, em algum momento, existiram condições para união radical e ação comunitária em nosso país, esse momento é agora.
texto originalmente publicado em inglês no site Freedom Journal. traduzido por acervo trans-anarquista em janeiro de 2025. foi empregada linguagem neutra e inclusiva. o documento também pode ser acessado em nosso acervo digital.
O que significa ser trans anarquista neste momento do século XXI? O que significa ser uma pessoa trans inglesa, branca, da classe trabalhadora, vivendo em relativa segurança em Londres, neste momento de catástrofe climática global, em que as guerras se alastram pelos continentes, em que a força policial da superpotência desonesta estadunidense mata crianças negras impunemente, enquanto outro estado desonesto armado por essa superpotência mata crianças palestinas impunemente?
Mikhail Bakunin escreveu que não nascemos livres, mas acorrentados a leis e moralidades, ao nosso berço de origem. Em suas palavras, “o homem não criou a sociedade, nasceu nela. Não nasceu livre, mas acorrentado, produto de um meio social particular criado por uma longa série de influências passadas, por desenvolvimentos e fatos históricos” (Bakunin, 1975, p. 12). Não é possível “partir do zero”, nem inventar linguagens e modos de vida desvinculados de onde nos encontramos. Não há como não nomear o mundo, a diferença e a norma. Contudo, é a institucionalização das nomeações que as produz e inscreve em políticas de aniquilamento. O culto à autoridade nos conduz a pensar em termos de governantes e governados, a adquirirmos certos ideais sobre nossos desejos e sexualidades. Em crítica a esse culto, o trans-anarquismo pode ser pensado como uma oposição tanto ao autoritarismo governamental como ao científico, que, no vasto campo de nomeações, designa certos corpos como monstros e outros como humanos.
Nomear a cisgeneridade toca no cerne da crítica libertária ao autoritarismo científico. Ao constrangermos aqueles que nos tratam como representações de diagnósticos, como monstruosidades, nos apropriamos do teor de ameaça que nos é atribuído – o monstro, afinal, personifica tudo aquilo que ameaça essa Humanidade à qual [não] pertencemos. Como figuras monstruosas, ameaçamos aquilo que se afirma como verdade. Todavia, quando nomeamos as raízes do Humano, compreendendo a historicidade do Monstro, ofendemos a norma, evidenciando seu medo e sua fragilidade.
Ofender a norma é um ato libertário que se apropria da linguagem num movimento disruptivo: constrangemos o ‘Eu’ cisgênero e argumentamos que a cisgeneridade é uma invenção que não beira a naturalidade; que a noção de natureza é uma ficção camuflada de verdade; afirmamos a irrepresentabilidade das vidas trans e a incapacidade de o Estado suprir nossas demandas. Em vez de assumir posturas assimilacionistas, anarquistas queer e trans-anarquistas defendem a emancipação social por táticas de combate à violência institucional, jamais firmando alianças com os braços do Estado. Há que se reconhecer os movimentos trans que lutam contra o Estado e suas instituições, e que não recorrem a seus tentáculos para mitigar as violências que o próprio Estado produz; que não confiam ao Estado a capacidade de nos proteger; e que não desejam se enquadrar em um violento ideal de humanidade.
A norma está onde diz que não está; se explicita quando inventa seu antagonismo. Ao passo que não há constrangimento em se nomear um corpo como monstruoso e embarreirar seu acesso à saúde; em intervir cirurgicamente em crianças intersexo para ‘adequá-las’ a um ideal cisgênero, endossexo e heterossexual; em reiterar a norma de modo vocabular, burocrático, cirúrgico e científico, a cisgeneridade institucional se recusa a nomear algo constantemente reiterado em todos esses processos. Denunciar a naturalização é uma das etapas do movimento anti-colonial por emancipação. É nesse sentido que defendemos um manejo trans-anarquista da linguagem, aliado à destruição do mundo como o conhecemos. Para construirmos outro mundo, é necessário que destruamos o atual; que nos apropriemos da ameaça que representamos para o Estado. E o manejo trans-anárquico da linguagem é um de nossos alicerces. A linguagem, por uma perspectiva trans-anarquista, é uma ferramenta disruptiva no próprio ato de nomear a norma e de prefigurar outras possibilidades de vida onde nossos corpos, desejos e pensamentos são tidos como possíveis.
Bakunin, Mikhail. O Conceito de Liberdade – Vol. 3, Porto: Rés Limitada, 1975
texto publicado em 23/12/2024 no site do coletivo CrimethInc. tradução do inglês por acervo digital trans-anarquista. versão em PDF para download: [CrimethInc] Violência sacrificial e retribuição
Na análise a seguir, examinamos as reações a dois assassinatos extrajudiciais distintos como forma de entender as diferentes formas de violência que estão surgindo em nossa sociedade neste momento. No apêndice, apresentamos um resumo incompleto de várias respostas ao assassinato de Brian Thompson, CEO da UnitedHealthcare.
Quase todos os dias, mais de cinquenta pessoas são baleadas e mortas nos Estados Unidos. Em 4 de dezembro de 2024, uma delas foi Brian Thompson, CEO da UnitedHealthcare, a empresa de planos de saúde mais lucrativa do país. Nas semanas seguintes, todos nós ouvimos falar muito mais sobre esse CEO em particular do que sobre qualquer uma das centenas de outras pessoas baleadas e mortas neste mês. Ao mesmo tempo, houve uma onda de apoio ao ataque, apesar dos esforços das plataformas de mídia e empresários para suprimi-lo.
artigo originalmente escrito em inglês e publicado na revista norte-americana Coils of the Serpent, em 16/06/2023. traduzido pelo acervo trans-anarquista em janeiro de 2025. essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital.
CONTÁGIO TRANSGÊNERO Estou escrevendo esse ensaio a partir de um sentimento de insatisfação com o discurso anarquista, de frustração com o discurso trans, de frustração com o discurso feminista. Escrevo como feminista anarquista trans, para tentar trazer lições feministas ao anarquismo, para tentar reenquadrar importantes ideias feministas enquanto anarquistas em seu espírito e para tratar das experiências e possibilidades de transição como prática anarcofeminista. Quero assumir riscos em minhas reivindicações e conclusões, riscos de fracasso, riscos de me equivocar, a fim de tornar possível uma ação que mude o mundo aqui e agora, não apenas em um futuro imaginado. Utilizarei como base obras de todos esses campos, mas lerei assumindo posicionamentos, lerei impiamente, como meios que se igualam aos fins que imagino – junto com todas as pessoas com quem estou conversando – pela emancipação coletiva. Sob esse prisma, sucumbirei às seduções das ideias passadas de emancipação gay e de emancipação feminina, tentando evitar qualquer ingenuidade ou idealização, porque acredito que nosso anseio por seu entusiasmo é legítimo, ainda que seus movimentos tenham fracassado. Não concordo com uma análise supostamente madura e rígida que nos aprisione em nossas circunstâncias ou que teorize a reforma ou a assimilação como os únicos caminhos. Temos de ser audazes em nossas reivindicações e não fazê-las na linguagem da filosofia, da economia, do materialismo, da política, que sufoca nossos desejos que podemos descobrir em nossas práticas cotidianas. Para tanto, entendo o feminismo como um movimento que busca erradicar todas as hierarquias naturalizadas, o anarquismo como uma demanda para acabar com a ordem social, e a transgeneridade[1] (ou transição) como a possibilidade de mudança, de alteração de nossas condições.
texto originalmente publicado em espanhol, no Periodico Libertaria, em 7 de setembro de 2024. traduzido pelo acervo trans-anarquista em dezembro de 2024. essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital.
Com o surgimento de várias tecnologias antropocêntricas no espaço, nosso título não é mais uma questão de ficção. Apesar do fanatismo de ultra-dogmáticos religiosos e da conversa fiada neoliberal, os ricos estão prestes a destruir o espaço. A destruição calamitosa do planeta Terra pelo capitalismo é inevitável. Nesse sentido, falar de marcianos é realidade e não ficção. Assim, quando evocamos o título da obra de Ray Bradbury, nos refugiamos em uma escrita breve e verdadeira, ou seja, o contrário da ficção. Durante esses meses, e apesar do ambiente escasso e repressivo do Boluarte Genocida, houve vários eventos de natureza feminista, anarquista, anarco-feminista e trans-anarquista, esta última se o termo existir (que alguns chamam de A.Queer).
texto originalmente publicado em espanhol, em Rojo y Negro, n. 394, em novembro de 2024. traduzido pelo acervo trans-anarquista em dezembro de 2024. também disponível em nosso acervo digital.
Todo mês de novembro, o Dia da Memória Trans (TDoR) é comemorado para homenagear as vítimas de violência transfóbica, especialmente as fatais, tanto os crimes diretos quanto os suicídios induzidos.
TERF É ÓDIO O interesse deliberado das autoridades e da mídia em encobrir e ocultar o maior número possível dessas mortes, impedindo que sejam classificadas como crimes de ódio, nos impede de conhecer a grande maioria delas.
texto originalmente publicado em inglês, em 01/04/2028, no site libcom. traduzido pelo acervo trans-anarquista em dezembro de 2024. a tradução completa pode ser encontrada no acervo digital.
O anarco-sindicalismo é um movimento que visa a libertação de todas as pessoas oprimidas pelo capitalismo através de sua luta pela abolição do capitalismo e pela criação de uma sociedade socialista libertária, ou Anarquista. Um dos grupos de pessoas oprimidas pelo capitalismo é o de pessoas transgêneras, fato que conheço bem por ser uma mulher trans. As pessoas trans são aquelas que não se identificam com a classificação de gênero que lhes foi designada ao nascimento. Nossa sociedade determina a identidade de gênero que as pessoas podem ter com base em seus órgãos reprodutivos, portanto, as pessoas são designadas como “macho” ou “fêmea”. Pessoas trans são aquelas que rejeitam as identidades de gênero que lhes foram atribuídas e obtêm/criam novas identidades de gênero para si mesmas. Essas pessoas podem se identificar como homens, mulheres, ambos ou nenhum. Continuar a ler trans-feminismo anarco-sindicalista
texto novo no acervo digital trans-anarquista, “Recusando-se a esperar: anarquismo e interseccionalidade”, de Deric Shannon e J. Rogue. tradução por Ticiana Labate Calcagniti.
“O Anarquismo pode aprender muito com o movimento feminista. Em muitos sentidos ele já tem aprendido. Anarca-feministas têm desenvolvido análises do Patriarcado que o relacionam com a forma do Estado. Nós aprendemos com o slogan que “o pessoal é político” (por exemplo, homens que defendem a igualdade entre todos os gêneros devem tratar mulheres em suas vidas com dignidade e respeito). Nós aprendemos que nenhum projeto revolucionário pode ser completo enquanto homens sistematicamente dominarem e explorarem mulheres; que o socialismo é antes um objetivo vazio – mesmo se ele for “sem Estado” – se a dominação das mulheres pelos homens é deixada intacta.
em frente à câmara de vereadores do rio de janeiro, professores, estudantes e apoiadores se manifestaram contra o pacote de maldades do Eduardo Paes, que precariza ainda mais as condições de trabalho dos professores e a educação no município.
o PLC 186 é uma imposição do Estado e os professores são os protagonistas da luta contra ele.
o Estado jamais esteve a favor de uma educação de qualidade para a população, de uma educação libertadora. por isso mesmo defendemos uma pedagogia libertária. e acabamos de saber que a greve dos professores está sendo criminalizada. não surpreende em nada. então, todo apoio à greve!
essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital.
Em 2019, ocorreu uma importante mudança em Sydney[1] em sua comemoração anual do Dia da Memória Trans, um dia que celebra as vidas perdidas pela transfobia em todo o mundo. Durante anos, uma vigília foi realizada no Harmony Park, organizada pelo Gender Centre. A vigília não só era realizada ao lado da Delegacia de Polícia de Surry Hills, mas os policiais também compareciam uniformizados, eram co-anfitriões da vigília e recebiam um espaço para falar no evento.
essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital.
Para quem luta
Recentemente, em um espaço de discussão feminista, surgiu a questão de saber se os coletivos, espaços e atividades enquadrados no anarcofeminismo e no anarquismo queer deveriam ter caráter separatista, principalmente no que diz respeito à exclusão absoluta de indivíduos que podem ser caracterizados como homens cisgêneros (ou seja, não transgêneros) heterossexuais. Para nossa grande surpresa, descobrimos que, entre os participantes, a maioria esmagadora consentiu com essa exclusão, justificando-a com fórmulas como a de que esses indivíduos são “expoentes do patriarcado”, que não podem “liderar as lutas, nem integrá-las, apenas apoiá-las de fora” e isso porque a luta do (anarco)feminismo “não é deles, não é a sua luta”.
essa tradução também pode ser encontrada em nosso acervo digital
Há algumas décadas, fala-se em abandonar o conceito cataclísmico de revolução, que a interpreta como um breve momento de insurreição geral que, de forma não muito clara, não apenas destrói o poder (político e econômico, supostamente), mas também institui uma nova ordem sem hierarquias. Esse conceito de revolução, infelizmente, é herdeiro de revoluções fracassadas, desde a comuna de Paris até a revolução russa. O conceito que o substituiu é um conceito de revolução que a considera como um processo estendido no tempo, de construção progressiva de espaços, instâncias e dinâmicas (em uma palavra, instituições) que estão em condições de operar de forma diferente, de maneira anarquista e comunista, e que também podem expandir progressivamente suas esferas de operação, a fim de atingir o maior número de pessoas. Essa noção de revolução pode ser chamada, para usar o termo dos anarco-pacifistas alemães da década de 1970, de uma revolução a partir das raízes da grama (Graswurzelrevolution; grassroots revolution em inglês) ou, simplesmente, uma revolução de base.
trecho do artigo “trans-anarquismo: corporeidade transgênera e desestabilização do estado”, de Elis L. Herman (trad: Bruno Latini Pfeil e Cello Latini Pfeil)
“as pessoas transgêneras têm de negociar uma fronteira cultural monitorada por algum indivíduo que possui autoridade institucional; frequentemente, embora nem sempre, essa travessia de fronteira ocorre na interseção entre fronteiras físicas e abstratas (como na circulação entre países). Nestes pontos, as percepções de indivíduos em posição de autoridade sobre os indicadores culturais da normatividade de gênero são utilizadas para determinar se o poder institucional será invocado para punir um indivíduo cujo gênero não ‘passa’ na inspeção fronteiriça.
[…]
É evidente que a corporeidade transgressiva de gênero incita atos de vigilância, escrutínio e policiamento por parte do estado e de suas instituições. Ao questionar a natureza dessa vigilância, podemos expor os campos que fazem com que o estado se sinta mais ameaçado. Quanto mais violentamente uma fronteira é escrutinada, mais socialmente ameaçadora pode ser considerada sua travessia.”
tradução para o português do texto “resistindo à medicina, re/modelando o gênero”, de autoria de Dean Spade.
artigo publicado em 2003, na Berkeley Journal of Gender, Law & Justice, v. 18, issue 1. Originalmente escrito em inglês e intitulado “Resisting Medicine, Re/modeling Gender”. tradução realizada pelo acervo trans-anarquista.
agradecemos a todes que enviaram seus materiais e confiaram nessa iniciativa. esperamos que esse projeto traga uma contribuição interessante para os vários núcleos, grupos, coletivos, frentes e indivíduos libertários que existem por aí.
Jamie Heckert, “Sexualidade como Forma de Estado”, páginas 4 e 5.
“Se o anarquismo não é uma ideologia fixa, mas uma tendência em contínua evolução na história humana “para desmantelar […] formas de autoridade e opressão” (Chomsky, 1970), então parece evidente para mim que o anarquismo pode ser percebido nas críticas queer sobre qualquer suposta fronteira existente entre heterossexual e homossexual, e a violência que seu policiamento envolve. Portanto, nesse sentido, uma abordagem anarquista da orientação sexual não é particularmente original nem necessária. A teoria queer e os movimentos feministas e outros movimentos dos quais e com os quais ela se desenvolve já estão fazendo esse trabalho. Dito isso, sugiro que uma crítica explicitamente anarquista da orientação sexual pode ser valiosa para recontextualizar histórias, compreender experiências contemporâneas e desenvolver novas formas de relações e movimentos sociais.
Eu seria muito tolo de não pensar na minha neurodivergência em oposição ao Estado psicofóbico. Se não há espaço para que eu possa viver plenamente meu corpo atípico, há menos ainda para meu corpo transqueer – em vista que os dois ocupam o mesmo espaço: eu. E seria ainda mais tolo em não ver crítica num espaço que recorre constantemente aos binarismos sexistas para explicar o meu diagnóstico: os homens geralmente têm ‘y’ comportamento e as mulheres ‘x’. Mas qual espaço meu corpo sem gênero ocupa no meio homem-mulher?
Olhava pela janela do ônibus enquanto ia em direção à avenida mais agitada da cidade – a av Paulista -, após esperar o ônibus por uma hora. O sol esquentava minha pele, e eu suava em contato com os moradores do meu bairro, que aos poucos enchiam o ônibus. Mas nada disso importava: eu estava orgulhoso! Era meu dia! Logo, entro no metrô e um show de imagens explodia à minha vista: eu via, animadamente, várias pessoas coloridas, pintadas e carregando alguma bandeira em si. A excitação era tanta, eu mal esperava pra estar, pela primeira vez, na avenida com tanta gente como eu, tão pertinho de mim! Enquanto chegava mais próximo da estação Trianon-Masp, mais nervoso eu ficava.
como costuma ocorrer quando pautas relativas às transmasculinidades ganham visibilidade, recentemente nos deparamos com a polêmica sobre o termo boyceta. seria este um termo adequado, equivocado, genitalista, contranormativo ou normativo? o que estariam propondo as pessoas que constituem suas identidades a partir deste termo e que dele o utilizam para se autodeterminar?
não podemos — e não nos interessamos por — generalizar experiências de autoidentificação, reduzindo sua multiplicidade a apenas uma motivação. as experiências transmasculinas que fazem sentido no espectro da identidade “boyceta” são plurais, e, embora compartilhemos vivências e demandas, não há apenas uma maneira de ser boyceta, tampouco apenas um único significado.
o fantasma da boa educação e dos bons costumes mantém um clima falso de concórdia. é um veículo extremamente silencioso e eficaz de violência, especialmente de violência institucional.
vejamos como isso se expressa em uma situação absolutamente hipotética. um professor universitário com anos de casa [e que se autointitula anarquista] justifica seus assédios sexuais e morais sob a prerrogativa de que “temos que acabar com as hierarquias” e “eu sou afetuoso mesmo”. e qualquer um que tente romper com o contrato da boa educação e dos bons costumes se torna um louco, um dramático, histérico, “jovem demais” para saber qualquer coisa, “incapaz” de interpretar as relações humanas, e passa a ser alvo de ameaças constantes, chantagens e abuso psicológico – sem falar em todo o punitivismo que ronda as conversas, reuniões e orientações de uma graduação ou pós-graduação.
no dia 2 de junho de 2024, ocorreu a parada do orgulho lgbt de são paulo, repleta de bandeiras do brasil e empresas multinacionais patrocinadoras. na tentativa de ressignificar e “retomar” a bandeira nacional, de afirmar que o verde e amarelo é “para todes”, a parada lgbt se tornou, ao nosso ver, uma captura neoliberal, racista e governamental. para ilustrar, oferecemos uma comparação, que não consideramos desproporcional diante dos mais de 500 anos de colonialismo e colonialidade: se é impensável ressignificar a suástica nazista ou o símbolo do sionismo, como exatamente poderíamos ressignificar a bandeira do brasil? o que essa bandeira significa além de genocídio contra povos indígenas e africanos escravizados? as cores da bandeira, que a parada lgbt afirma serem “para todes”, foram escolhidas pelos responsáveis pela colonização dos territórios que convencionamos chamar de “brasil”. o que o lema “ordem e progresso” significa além de 500 anos de colonialismo, escravização e extermínio? o que significa efetivamente a ordem e o progresso tão fortemente bradados como símbolo de uma nação? a ordem como submissão à lei, o progresso como distanciamento de certo “primitivismo”: percebe-se a legitimação de um projeto colonialista global, que, em terras nomeadas brasileiras, culminou e culmina na perseguição de pessoas consideradas “desviantes sexuais”, na eugenia e no higienismo social.
em 10/05/2024, o governo peruano publicou o Decreto Supremo nº 009-2024-SA, que designa a transexualidade como uma patologia mental, sob alegação de que a patologização justificaria o acesso de pessoas trans a atendimentos médicos. referenciando-se no CID-10, que compreendia a transexualidade como um transtorno de identidade de gênero, o governo peruano previsivelmente recusou as tentativas de negociação de movimentos sociais lgbtiap+. esse reacionarismo tipicamente institucional demonstra a impossibilidade de se aliar a forças governamentais para defender pessoas trans, e as mais afetadas por essas mudanças são negras, indígenas e periféricas. no dia 31/05/2024, ativistas trans se reuniram em frente ao Ministério da Saúde peruano e protestaram até o Palácio da Justiça, demandando a revogação do decreto e a adoção do CID-11, segundo o qual a transexualidade seria uma incongruência de gênero.