minha neurodivergência também é queer e anarquista

por Luz Costa

Eu seria muito tolo de não pensar na minha neurodivergência em oposição ao Estado psicofóbico. Se não há espaço para que eu possa viver plenamente meu corpo atípico, há menos ainda para meu corpo transqueer – em vista que os dois ocupam o mesmo espaço: eu. E seria ainda mais tolo em não ver crítica num espaço que recorre constantemente aos binarismos sexistas para explicar o meu diagnóstico: os homens geralmente têm ‘y’ comportamento e as mulheres ‘x’. Mas qual espaço meu corpo sem gênero ocupa no meio homem-mulher?

Nessa desculpa constante de que “ser criado como uma mulher” faz ter tais comportamentos sociais, me encontro à mercê da leitura social de outros para explicar como sou lido e interpretado, como se a minha vivência se resumisse apenas a associações falocêntricas do meu corpo trans-bicha.

Acontece que, numa sociedade psicofóbica e machista, há uma imposição social entre as mulheres autistas para que o masking seja “melhor executado”, reforçado pelo credo que as obriga a desempenhar o papel de amorosa, cuidadosa, ouvinte e querida o tempo todo: uma mulher rude é louca, um homem rude é apenas um homem. E parte da comunidade contesta e critica o constante sexismo e racismo presente nos debates. Há uma relevância em contestar como as violências ideológicas são barreiras na conquista do diagnóstico precoce. Entretanto, essa separação entre homens e mulheres têm outro caráter profundo, representando uma forma de esconder que autistas possam ser pessoas dissidentes. Esse mesmo discurso, tão bem declarado repetidamente pelo capitalismo, tem objetivo de minimizar e excluir minorias sexuais e de gênero e corrobora para um imaginário ilusório acima de um autismo não-sexual, antecipando que autistas e demais neurodivergências não experimentam sexualidade e gênero. O reflexo dessa discriminação capitalista contra qualquer corpo com deficiência é o apoderamento da criação de uma imagem anti-natural sobre nós. Para esse sistema, somos apenas pequenas aberrações não merecedoras de procriar nossa própria espécie ou, sequer, experimentar do gozo e dos prazeres corporais. Nós não podemos ter escolhas sobre nós mesmos, somos criaturas incapazes de decidir e viver nossa individualidade. Consequentemente, novamente me sinto forçado em me tornar um ser à par de binarismos sociais, desempenhando perfeitamente o papel heterocisnormativo -sem reclamar – e imitando, como um boneco, um ser incapaz de entender assuntos complexos, que só “tipicamente neurodesenvolvidos” possam entender por mim.

(E, novamente, o controle de corpos no capitalismo, também, me capta).

Estou farto das convenções.

Preciso que vocês lembrem que meu corpo trans existe e ele vive o TEA tanto quanto qualquer outro aspecto. E por ser trans, minha experiência TEA está além das margens que ‘típicos’ colocam em mim. Quero que lembrem que meu corpo não é só mais uma máquina sistemática, num campo cisgênero forçado porque acreditam que sou incapaz de assumir mais um elemento da minha vivência.

A minha divergência também é anarquista, porque me recuso a cooperar com mais uma hiperfobia inventada e pensada justamente para me botar numa caixa repleta de violência. Eu existo para além do seu Estado. Eu existo para além das suas imposições e instituições.